sábado, 2 de novembro de 2013

I.,

A última carta partiu-me o coração como só o amor consegue. Estavas tão frágil quanto eu, ali sozinha, à minha espera, com os teus sentimentos e as tuas emoções em relação ao hospital todas no colo. Estavas tu e o teu corpo. Lembraste-te disso? E eu, inconsciente, exposta duas vezes, porque nua primeiro e porque carne aberta e invadida a seguir e tu, nua também, de outra maneira, tão sozinha, tão sozinha, querida I. Quero morrer primeiro que tu só para poder condignamente retribuir esse momento de puro amor. É preciso peito para isto, I.

Passei a semana toda com vertigens e lembrei-me muito do Kundera e de uma parte da Insustentável Leveza do Ser: «Aquele que deseja continuamente ‘elevar-se’ deve esperar um dia pela vertigem. (...) A vertigem não é o medo de cair, (...) é a voz do vazio por baixo de nós, que nos atrai e nos envolve, é o desejo de cair do qual, aterrorizados, nos defendemos.»
Tem sido como se tivesse continuamente a ser puxada para o centro da terra por um vórtex que só eu sinto. Fiquei a semana toda de cama. Tenho desejado continuamente elevar-me e sou assim castigada? A terra puxa-me e eu resisto porque tenho medo de cair. Se é dessa resistência que nasce a vertigem, se é da força que fazemos para não nos deixar cair, então a vertigem e a ansiedade devem ser aparentadas.

Queria falar-te de Novembro mas estou fraca e preciso de descansar. Perdoa-me a frugalidade.

Mas conta-me, como estás? Como está o amor dentro de ti? Falas-me disso?

J.

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