domingo, 23 de fevereiro de 2014

Querida I.,

Por vezes dói-me o peito. É uma dor funda, por detrás dos ossos e nem sempre sei a que devê-la, mas a deste domingo sei-o: foi para ti. Não sei nada de ti há algumas semanas. Onde estás? Como te sentes?
Gosto de ti, I. Bem sei que to digo poucas vezes.

Ás vezes não sei se a nossa relação é de verdade. O que é que nos une? Penso em ti, nas coisas que me contas, nas tuas histórias e depois penso que não conheço as tuas pessoas, os teus amigos, que não estou, de facto, na tua vida. Alguma vez te pareceu estranho? Sempre tive com os meus amigos uma relação de distância pautada por fases, mais ou menos longas, de intimidade próxima. Como se soubessemos todos que precisamos de ir ao mundo antes de voltar para casa, para o pé dos nossos, e como se nos deixassemos soltos sabendo que não nos perdemos. Mas connosco é diferente.

Também não sei porque me sinto tão fragilizada perante ti. Como se fosse sempre pequena e tu sempre grande. E, no entanto, quando te sinto pequena, não me sinto grande, sinto-me ainda mais pequena. Ás vezes não sei como te pensar.

Isto de que falo tem sido o tema mental destas semanas e talvez por isso o pense também em relação a ti. Preciso, cada vez mais, de saber o que é real na minha vida. O que existe. Ás vezes não tenho a certeza do que existe. Tu existes?

No outro dia, preparava-me para sair, estava animada, tinha acabado de jantar, ultimava detalhes, tinha gente à minha espera e, de súbito, enquanto me olhava ao espelho, não sei como nem de onde veio, mas fui engolida por uma boca de negrume. Foi uma espécie de tontura existencial ou, como vi dias mais tarde dito num filme, foi como se «tivesse tropeçado na realidade». Cambaleante, sentei-me na cama, e nesse momento de absoluta confusão perdi todas as certezas. Não sabia absolutamente nada. Era sexta-feira, perto das onze horas da noite, e eu, sozinha no meu quarto, tinha subitamente desaprendido tudo. Era como se a realidade fosse um fio que eu agarrava com força e que, num momento de pura distracção, larguei. Não sabia quem era, o que estava a fazer, se o que estava a viver era mesmo meu, e que vida era aquela? E era de quem? E eu, quem era? Não sei o que aconteceu e passou tão depressa quanto surgiu. Fiquei o resto do fim-de-semana de cama, com medo que as paredes sólidas do dia-a-dia se desintegrassem se eu me mexesse. Desde aí questiono a realidade das coisas. Há coisas que sinto, coisas que sei e coisas que existem. Às vezes as coisas que sinto não existem. Às vezes não sei o que existe. Às vezes as coisas que sei não são reais. E no meio disto tudo, ainda tenho que discernir a minha cabeça da realidade. A minha cabeça e a realidade às vezes diluem-se uma na outra. Também te acontece?

Não sei por que falo disto. Só queria dizer-te que o peito deste domingo foi teu. E perguntar-te como estás. Como estás?

Tua,
J.








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